"Balanço de meia temporada. Quarto capítulo: Lotus" - Livio Oricchio

Balanço de meia temporada. Quarto capítulo: Lotus 

09/VIII/12 Livio Oricchio, de São Paulo 

Olá amigos. Escrevo o quarto capítulo da nossa série, desta vez sobre a equipe Lotus, aqui de São Paulo, onde cheguei hoje. Friozinho gostoso pela manhã, oportuno, diria, para quem saiu do calor intenso no Sul da França nessa época. 

Imagine uma organização de Fórmula 1 que trabalha junto há bons anos e significativa parte dos seus integrantes fez parte do grupo que conquistou os campeonatos de 2005 e 2006. Esse time era a Renault, que este ano mudou o nome para Lotus. 

Mais de não se chamar Renault é o fato de a montadora francesa ter deixado de ser sua proprietária desde dezembro de 2010. Os desdobramentos dessa mudança são imensos. Primeiro o orçamento. Gerard Lopez, sócio do grupo Genii, especializado em consultoria financeira e investimentos, não tem o fôlego de uma empresa como a Renault. E muito importante, também, não dispõe da estrutura tecnológica dos franceses pronta a apoiá-lo em tudo o que a Fórmula 1 exige. A Lotus tornou-se cliente da Renault, paga pelo uso dos motores e do Kers, sistema de recuperação de energia. 

As transformações se estendem, porém, para bem além. Houve, no ano passado, uma debandada de profissionais nesse processo. Talvez por não acreditarem mais na manutenção do que dispunham. O diretor técnico, Bob Bell, aceitou o convite de Ross Brawn e transferiu-se para a Mercedes. O projetista-chefe, Tim Densham, disse simplesmente estar cansado e deixou a Fórmula 1. O diretor esportivo, Steve Nielsen, já descontente, entrou num acordo e foi buscar novos desafios na Caterham. 

Dá para ver o problema que Eric Boullier, diretor geral, tinha nas mãos do ano passado para esta temporada? Mais: tendo de responder com bem mais do que fez em 2011, com Vitaly Petrov, Nick Heidfeld e Bruno Senna. A então ainda Renault no nome somou 73 pontos, quinta colocada, quase alcançada pela Force India, 69. A campeã, Red Bull, fez impressionantes 650. 

Era preciso remontar a agora Lotus. E rápido. Tudo na Fórmula 1 se processa velozmente. O preço que se paga por atrasos no projeto pode refletir não apenas numa temporada. Para o lugar de Bell, o francês Boullier e Lopez, cidadão de Luxemburgo, escolheram um técnico esforçado, sugeriu ter competência quando atuou ao lado de Bell, mas é pouco experiente. Havia trabalhado na Ferrari anos antes de entrar na Renault, mas lá uma das suas funções era posicionar-se à frente dos boxes dos adversários para controlar se respeitavam as regras dos pneus. Seu nome: James Allison. 

Depois do diretor técnico, Allison, era preciso um desenhista chefe, alguém para coordenar o projeto do carro de 2011, que por ser o 20.º a ser concebido na sede inglesa da Renault, em Enstone, seu nome seria E20. Se seguissem a mesma sistemática dos nomes adotados, o E20 deveria chamar-se R32. 

Densham tinha um engenheiro no grupo que era como o seu braço direito e lhe coube a responsabilidade de coordenar o projeto do E20: Martin Tolliday. Com ele trabalharia o chefe dos estudos aerodinâmicos, Dirk de Beer, um dos poucos que não deixaram daquela estrutura que, pode-se dizer, era vencedora. Sob a liderança de Flavio Briatore foram campeões duas vezes, como disse, com Fernando Alonso como piloto. 

Tenho dois amigos, de passar férias juntos, dentre os que celebraram aquelas conquistas: Denis Chevrier, engenheiro-chefe dos motores, e Steve Nielsen. Era só ter uma dúvida e procurá-los para, provavelmente, ser dirimida. Chevrier foi convidado por Jean Todt para trabalhar para a FIA já antes de a Renault vender sua escuderia. E Nielsen está quebrando a cabeça para ajudar a Caterham crescer e até hoje é sempre uma fonte segura de informações para mim. 

Quem responde agora nos autódromos pelos motores Renault da Lotus é um engenheiro brasileiro muito capaz, Ricardo Penteado, que cresceu na organização por conta da sua inteligência, dedicação e liderança. Todos se reportam a ele quando o assunto é motor. 

Alan Permane foi promovido para a vaga de Steve Nielsen, para atuar mais como diretor de operações no circuito, deixando a Paul Seaby parte das atribuições de Nielsen. 

Se você soubesse de toda essa reestruturação de um campeonato para o outro e lhe perguntassem o que espera da equipe, o que responderia? A minha resposta foi: a real capacidade dos técnicos que substituíram os que lá estavam e eram bem experientes terá de ser ainda provada. E mesmo que ratifiquem as qualidades imaginadas, parece ser difícil que, num primeiro momento, ou no primeiro projeto, tudo saia certo, ou seja, produzam um carro vencedor. Seria surpreendente. 

E não é que conseguiram surpreender. Felizmente. O E20 é o melhor monoposto produzido pela Renault-Lotus desde o título de 2006. Isso para não citar a relação da Renault com a Michelin que lhe entregava, na porta de casa, jogos de pneus sob medida para seu carro, o que muito ajudou a explicar seu sucesso. Havia a concorrência com os times da Bridgestone, como a Ferrari. Agora as regras dos pneus Pirelli são as mesmas para todos, o que reforça ainda mais os méritos dos engenheiros da Lotus. 

Voltando. Contra a lógica, por ser o resultado do trabalho de um grupo técnico novo, sem ter exercido atividades em conjunto antes, ao menos nesse nível de responsabilidade, a realidade é que o E20 deve ganhar alguma etapa ainda este ano. Em especial se fizer calor, especialidade do monoposto. Administra os pneus como nenhum outro. 

Coloque ainda nessa balança contra a Lotus o fato de seus dois pilotos serem novos na escuderia. Não é tudo: Kimi Raikkonen vinha de dois anos distante da Fórmula 1 e constituía outra das muitas dúvidas de Boullier e Lopez. Mais: seu companheiro estava de volta à competição depois de uma experiência bastante ruim, em 2009, nos sete GPs que disputou pela Renault. Enfim, amigos, se fosse para apostar, a Lotus receberia poucas fichas por todas as variáveis mencionadas. Seria quase um azarão. 

Corta. Avança. 

Depois de 11 etapas, este ano, Tolliday mostrou-se capaz na coordenação do E20, Allison tem sido um autêntico líder na área técnica, ouvindo a todos, Permane ajudou o time evoluir com seu senso prático de conduzi-lo e Paul Seaby, da mesma forma, desenvolve com desenvoltura sua atividade. Com toda a importância dos profissionais que se dedicavam à Renault no ano passado, os que os substituíram estão se saindo bem além da conta. 

“O clima no nosso grupo é outro. Todos parecem ter paixão pelo que fazem. Desejam mostrar serviço. Querem crescer”, disse-me Boullier, entusiasmado com a atmosferam positiva na organização, confirmada por Penteado. As possibilidades de não dar certo, digamos pelo menos no primeiro ano, eram bem maiores do que obter sucesso de cara, como está ocorrendo. 

A Lotus é a terceira colocada entre os construtores, com 192 pontos, um apenas a menos da vice-líder, a McLaren. A primeira colocada é a Red Bull, com 246. 

Kimi Raikkonen. Do que ouvia de um integrante da Ferrari sobre a temporada de 2009 do finlandês, tinha comigo que se voltasse a ser o piloto eficiente de 2007 e de seu período na McLaren precisaria de meio campeonato. Na pista ele respondeu a primeira questão: é hoje o piloto sensacional dos anos anteriores a 2009. E sua adaptação a nova Fórmula 1, pode-se dizer, comparada a de 2007, seu último grande campeonato, foi mais rápida do que Boullier, Lopez e quase todos esperavam. 

Em classificação, Raikkonen ainda reconhece, não chegou ao seu máximo. Tem responsabilidade por não largar entre os primeiros. Assim com o modelo E20 precisa de desenvolvimento para tirar tudo do pneu em uma volta lançada. Mas em corrida o ritmo de Raikkonen é elevadíssimo. Não erra nunca e é apreciadíssimo pelos colegas pela forma polida, respeitosa de conduzir. 

A próxima etapa é em Spa-Francorchamps, dia 2. Olha só o retrospecto do homem de gelo no mais seletivo circuito do Mundial: em 2009, última que Raikkonen disputou a prova, venceu, mesmo com o modelo deficiente da Ferrari e seu desestímulo evidente.

Em 2007, ganhou também o GP da Bélgica, com Ferrari. Em 2005, o que aconteceu? Vitória do finlandês, pela McLaren. Não acabou não, espera aí: advinha quem foi o primeiro colocado em 2004? Se você respondeu Raikkonen, acertou, com McLaren. 

Foram quatro vitórias, 2004, 2005, 2007 e 2009. A impressionate performance desse finlandês de personalidade única, que não está nem aí pelo que o cerca, somada à evolução do modelo E20, mais evidenciada no GP da Hungria, dia 29, propõem ser possível uma nova conquista do Iceman em Spa, a primeira da Lotus, nessa nova fase de sua história. 

Em 2008 viajei para a Finlândia a fim de desvendar o universo de Raikkonen. Primeiro ele concordou com o fato de eu entrevistar sua família, o que muito me surpreendeu. Desde então ninguém mais recebeu autorização. Disseram ter gostado muito da reportagem que fiz. Só foi possível porque o jornalista Heikki Kulta, amigo de Raikkonen e meu também, interveio, fazendo a apresentação. 

Fui recebido pelos pais e o irmão, bem como amigos de infância. Como já escrevi aqui, quem conhece a proximidade de Raikkonen com a família e a profunda gratidão pelo que fizeram com ele, não tem como não ser seu fã. “Kimi é um coração mole, bem ao contrário do que as pessoas pensam”, me disse sua mãe, Paula. 

Vem de uma família muito simples, cujo pai, falecido há pouco, trabalhava para uma construtora, conduzindo tratores, possuía um táxi em Espoo, ao lado de Helsinki, e ainda era recepcionista na porta de restaurante, à noite. “Abria a porta dos carros dos clientes e lhes ajudava a retirar e colocar o paleto”, contou-me Matti, o pai. Tudo para garantir o dinheiro para o filho disputar o campeonato de kart. “Todo fim de temporada era um sofrimento, nunca sabíamos se teríamos o dinheiro”, explicou-me Paula. Quem se interessar, a reportagem está no blog, colocada no ar em maio de 2008. 

As chances de Raikkonen lutar pelo título, este ano, não são, nesse momento, grandes. Mas se Fernando Alonso não marcar pontos em alguma etapa e o finlandês vencer, será como com Lewis Hamilton, irá para cima do espanhol com tudo. E se há algo que Raikkonen é superior a todos os adversários é o controle emocional. Alonso lidera com 164 pontos, seguido por Webber, 124, Vettel, 122, Hamilton, 117, e Raikkonen, 116. 

Romain Grosjean. Acompanhei de perto o seu campeonato da GP2, no ano passado, e de fato causou excelente impressão. O que não havia demonstrado nos seus anos passados de GP2 e depois na própria Fórmula 1, quando substituiu Nelsinho Piquet na Renault, em 2009. O suíço, mas pode chamá-lo de francês também, se desejar, segundo ele próprio me disse num entrevista este ano em Valência, foi campeão da GP2 com a DAMS, em 2011, com todos os méritos. A entrevista de Grosjean está no blog. “Eu era muito jovem e o time outro, bem diferente. Estava no lugar errado na hora errada. Agora estou no lugar certo na hora certa”, disse-me, referindo-se ao momento dele e da escuderia. 

O francês comprovou, este ano, na Fórmula 1, ter amadurecido. Mas não o bastante, ainda, considerando-se as vezes em que se envolveu em acidentes na primeira volta. Tem potencial, contudo, para crescer. Boullier o considera “um campeão em potencial” e certamente prosseguirá na Lotus em 2013. Resta saber se esse piloto que por vezes parece entrar em outro mundo, dada suas reações inesperadas, conseguirá encontrar o tão necessário equilíbrio. Podemos esperar dele uma segunda metade de campeonato melhor, junto do crescimento da Lotus. 

Amigos, desculpe eventuais erros. Redigi com sono, pois quase não dormi no voo de Zurique a São Paulo, com a Swiss. Dediquei-me tanto à leitura e depois à seleção de música clássica do programa de entretenimento que quando me dei conta era tarde para dormir, tínhamos apenas mais duas horas de voo. Melhor descansar no horário de São Paulo, o que ajuda a entrar mais rápido no fuso horário. 

Reli o texto agora, mas penso ter passado alguma coisa. Felizmente há os leitores revisores de plantão. Às vezes aprendo com eles. Amanhã o quinto capítulo da série será sobre a Mercedes. Abraços!

Fonte: blogs.estadao.com.br / Dica: Aninha Prada

Muito bacana este texto do jornalista Livio Oricchio. Como parei de ler a maioria dos colegas de imprensa brasileiros desde 2009, só sei sobre estes textos porque esporadicamente passo por estes blogs ou por indicações de leitores, e desta vez, quem indicou o texto acima foi a Aninha Prada. #valeuAninha

Agora vamos aos comentários sobre o texto de Livio. Acho que nenhum de nós realmente esperava o que a Lotus vem fazendo nesta temporada. Se duvidar, acho que nem eles mesmos...rsrsrs

Mas fico contente demais com a motivação da equipe inglesa. Tenho certeza que eles vão lutar demais por este top 3 até o final do campeonato e seria de fato, uma senhora aconquista para um time que passou por uma reestruturação tão grande.

Sobre as  palavras de Livio a respeito de Kimi, o que posso dizer? Não consigo me acostumar com esta fase de tantos elogios. Fico apavorada, na verdade. Kimi vive em um mundo só dele, difícil para que não curte o Iceman, entender, mas nós, seus fãs, que conseguimos ver isto, quando nos deparamos com textos assim, temos mesmo é que ficarmos orgulhosos deste retorno tão maravilhoso de Räikkönen.

Eu nunca duvidei da capacidade deste finlandês, sempre soube das qualidades deste piloto, sempre acreditei que muitas das críticas a ele dirigidas foram infundadas e erradas, mas o tempo é o senhor da razão, e agora, quem acreditava naqueles que caluniaram, podem ver com seus próprios olhos o que nós, os fãs de Räikkönen, sempre vimos.

Para complementar algo que Livio falou em seu texto, deixo dois links para vocês. O primeiro, da matéria feita pelo jornalista quando ele foi à casa do Iceman, em Espoo, na Finlândia (leam aqui), e o segundo de um post sobre o pai do piloto da Lotus, na verdade, uma postagem de despedida de alguém tão importante para Kimi (neste link), onde há vídeos feitos por Felipe Motta (que foi nesta viagem junto com Livio) e outros textos que mostram o tipo de personalidade e de homem que é Kimi. Um cara que tem o amor e a gratidão que ele tem pela família, não é sem sentimentos, muito pelo contrário.

Beijinhos,Ludy

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